JUSTIÇA DETERMINA ALTERAÇÕES NO FUNCIONAMENTO DOS FUNDOS DOS DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE
Justiça determina alterações no funcionamento dos Fundos dos Direitos da Criança e do Adolescente
19 de outubro de 2011
Em sentença promulgada no dia 09 de setembro de 2011, a Justiça Federal declarou nulos os artigos 12 e 13 da Resolução CONANDA nº 137/2010, que dispõe sobre os parâmetros para a criação e o funcionamento dos Fundos Nacional, Estaduais e Municipais dos Direitos da Criança e do Adolescente.
A Resolução do CONANDA
A Resolução nº 137/2010 foi publicada em meio a controvérsias quanto à validade dos referidos artigos. No período em que permaneceu sob consulta pública (anos de 2008 e 2009), o Ministério Público Federal já havia emitido opinião quanto à falta de amparo legal dos artigos 12º e 13º. Entendendo que esses dispositivos não encontravam amparo nas normas de administração financeira e orçamentária, o Ministério Público Federal recomendou sua retirada ou alteração na minuta da Resolução. Tais recomendações não foram acatadas e a Resolução foi publicada (DOU de 04.03.2010) com esses artigos que estabelecem a possibilidade das doações dirigidas e da chancela para captação de recursos pelas instituições da rede de atendimento.
Segundo o artigo 12º, a definição quanto à utilização dos recursos dos Fundos dos Direitos da Criança e do Adolescente deve competir única e exclusivamente aos Conselhos dos Direitos da Criança e do Adolescente. Contudo, o parágrafo 1º desse artigo afirma que, dentre as prioridades consagradas no plano de ação aprovado pelo Conselho de Direitos deve ser facultado ao doador indicar, aquela ou aquelas de sua preferência para a aplicação dos recursos doados. E o parágrafo 2º desse mesmo artigo afirma que tais indicações poderão ser objeto de termo de compromisso elaborado pelo Conselho dos Direitos para formalização entre o doador e o Conselho de Direitos.
Já o artigo 13º da Resolução faculta aos Conselhos dos Direitos da Criança e do Adolescente chancelar projetos de instituições locais mediante edital específico. Ou seja, os Conselhos, à luz do diagnóstico realizado (ação que no artigo 9º da mesma Resolução compete ao Conselho promover como condição para suas deliberações) e dos planos de ação e de aplicação derivados desse diagnóstico, podem aprovar projetos de entidades de atendimento e autorizar essas entidades a captar recursos para os Fundos dos Direitos da Criança e do Adolescente geridos pelos mesmos Conselhos. Tais recursos serão, posteriormente, repassados às entidades captadoras para utilização nos respectivos projetos aprovados. O artigo citado também estabelece que os Conselhos devam fixar percentual de retenção dos recursos captados, em cada chancela, de no mínimo 20% ao Fundo dos Direitos da Criança e do Adolescente, e que a chancela aos projetos não obriga seu financiamento pelo Fundo dos Direitos da Criança e do Adolescente, caso não tenha sido captado valor suficiente.
A ação civil pública
Diante disso, o Ministério Público Federal ajuizou, em julho de 2010, ação civil pública contra a União Federal, junto à 21ª Vara Federal no Distrito Federal.
A ação requeria, naquele momento, a suspensão imediata da eficácia dos artigos 12º e 13º da Resolução 137/2010. No entender do MPF, a vigência desses dispositivos poderia gerar danos ao erário público e prejudicar a moralidade e a credibilidade dos Conselhos dos Direitos da Criança e do Adolescente, por abrir a possibilidade de transferência de uma competência legal e indelegável dos Conselhos a particulares. Solicitava, também, em julgamento de mérito, a nulidade dos referidos artigos e a declaração de invalidade de todos os atos do CONANDA neles fundamentados, bem como de convênios e outros instrumentos de repasse de verbas públicos já celebrados e autorizações concedidas de captação direta de recursos.
Em setembro de 2010 o Poder Judiciário recusou a suspensão imediata dos artigos 12º e 13º, mas aceitou a apreciação do mérito para decidir sobre a nulidade ou não desses dispositivos e a invalidade ou não de todos os atos neles fundamentados.
A sentença
Um ano após, em 09 de setembro de 2011, o processo foi concluído, tendo a sentença sido publicada no dia 21 do desse mesmo mês.
A sentença declarou como nulos os artigos 12º e 13º por violarem normas públicas de administração financeira e orçamentária e determinou “… que o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente se abstenha de disciplinar a distribuição de recursos dos Fundos dos Direitos da Criança e do Adolescente por meio de captação direta de recursos por particulares ou por meio de doações vinculadas até que sobrevenha autorização veiculada em lei formal …” (extraído do texto integral da Sentença Nº 375/2011-A).
O pedido da ação do MPF para invalidação dos atos previamente praticados com base nesses artigos foi rejeitado. Mesmo reconhecendo que esses atos resultam de uma situação originariamente ilegítima, a sentença pondera que “…a imediata interrupção de todas as iniciativas baseadas na indigitada Resolução teria o condão de prejudicar as crianças e adolescentes beneficiadas pelos projetos que estão em andamento” (extraído do texto integral da Sentença Nº 375/2011-A).
Perspectivas
Até a data de elaboração do presente artigo (18/10/2011), o CONANDA e a União ainda não tinham sido oficialmente comunicados da sentença do Poder Judiciário. Os interessados podem acompanhar os próximos passos do processo no website do Tribunal Regional Federal da Primeira Região, indicado em nota de rodapé. (1)
Embora o CONANDA possa recorrer da sentença após ser dela notificado, e ainda que a sentença deva passar automaticamente por uma revisão do judiciário federal por estar sujeita a duplo grau de jurisdição, parece pouco provável um entendimento diverso do Poder Judiciário que possa reverter a decisão quanto à ilegalidade dos artigos 12º e 13º. Se a reversão vier a ocorrer, até lá a Sentença Nº 375/2011-A prevalece para o CONANDA e cria jurisprudência para os Conselhos Estaduais e Municipais, com força para invalidar os atos que venham a ser praticados a partir de sua publicação.
Também parece pouco provável uma mudança de entendimento por parte do Ministério Publico Federal. Cabe recordar que, desde 2002, resoluções do CONANDA versando sobre a regularidade da doação chancelada têm sido questionadas pelo MPF e revertidas antes de ajuizamento de ação civil pública. No caso da Resolução 137/2010, diferentemente, uma sentença judicial estabeleceu a ilegalidade de práticas disciplinadas nos artigos 12º e 13º. Vale também lembrar que os Ministérios Públicos dos Estados e do Distrito Federal, através do seu Fórum Nacional de Coordenadores de Centros de Apoio da Infância e Juventude e de Educação, partilham do mesmo entendimento quanto a essa questão.
Desse modo, os doadores – pessoas físicas e pessoas jurídicas – devem estar cientes de que, a partir de agora, doações aos Fundos, incentivadas ou não, realizadas sob a inspiração das normas previstas nos artigos 12º e 13º podem ensejar a frustração de não serem canalizadas conforme previsto. Porém, mesmo que realizadas em sintonia com tais dispositivos essas doações poderão ser deduzidas do Imposto de Renda e não caberá aos doadores qualquer responsabilidade pela ilegalidade da prática. A responsabilidade será sempre dos Conselhos de Direitos, que insistindo nesses mecanismos estarão colocando em risco o uso imediato dos recursos doados, prejudicando o atendimento necessário e urgente de crianças e adolescentes violados em seus direitos. O questionamento judicial dessa prática será inevitavelmente fortalecido pelo precedente dessa sentença.
A oportunidade
Aos Conselhos dos Direitos da Criança e do Adolescente que adotam há anos práticas de destinação dirigida e de chancela a projetos, mesmo antes da Resolução 137/2010, cabe a sugestão para que revejam suas resoluções e regulamentos para o funcionamento de seus Fundos dos Direitos da Criança e do Adolescente. Mais do que isso, abre-se para os Conselhos uma oportunidade de fortalecimento para o exercício de sua atribuição mais fundamental, claramente expressa no Estatuto da Criança e do Adolescente, que é a de elaborar e deliberar sobre a política de garantia dos direitos da criança e do adolescente na sua esfera de competência. (2)
Uma política de atendimento construída democraticamente com base na lei e em diagnóstico sólido e periodicamente renovado da real situação do atendimento aos direitos fundamentais das crianças e adolescentes, consistente nos seus propósitos e planos, da qual decorra o plano de aplicação dos recursos do Fundo, comunicada com clareza e transparência para a sociedade, favorecerá o engajamento dos cidadãos e de empresas socialmente responsáveis na doação aos Fundos dos Direitos da Criança e do Adolescente e no apoio aos Conselhos de Direitos. Mais ainda, favorecerá o envolvimento colaborativo e crítico da sociedade nessa política pública tão essencial para o desenvolvimento do país
Perla Ribeiro
Coordenação colegiada da ANCED
Associação Nacional dos Centros de Defesa da Criança e do Adolescente
Seção DCI Brasil
Associação Nacional dos Centros de Defesa da Criança e do Adolescente
Seção DCI Brasil
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